O Acidente Vascular Cerebral (AVC), também conhecido como derrame cerebral, é uma condição grave que pode deixar sequelas permanentes e impactar profundamente a vida do trabalhador. Após o AVC, muitos pacientes enfrentam limitações motoras, cognitivas, da fala ou emocionais, o que pode comprometer a capacidade laboral total ou parcialmente. Quando essas limitações permanecem mesmo após o tratamento, elas passam a ser classificadas como sequelas e podem ser identificadas por códigos específicos da CID (Classificação Internacional de Doenças).
Este artigo tem como objetivo esclarecer o que significa o CID relacionado às sequelas de AVC, quais são os impactos jurídicos para trabalhadores com carteira assinada, os benefícios previdenciários disponíveis, a possibilidade de indenização por parte do empregador, e como proceder para garantir todos os direitos legais. Ao final, você encontrará uma seção de perguntas e respostas e uma conclusão para sintetizar os pontos principais.
O que é o CID de sequela de AVC
A Classificação Internacional de Doenças (CID), elaborada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), é utilizada para registrar diagnósticos médicos em prontuários, laudos, atestados e requerimentos administrativos, como os feitos ao INSS. No caso do AVC, o CID principal é o I64, que se refere ao Acidente Vascular Cerebral agudo.
Contudo, quando o paciente já passou da fase aguda do AVC e permanece com limitações, passa-se a utilizar um CID de sequela, normalmente da categoria I69. Os mais utilizados são:
CID I69.0: Sequelas de hemorragia subaracnóidea
CID I69.1: Sequelas de hemorragia intracerebral
CID I69.2: Sequelas de outras hemorragias intracranianas não traumáticas
CID I69.3: Sequelas de infarto cerebral (AVC isquêmico)
CID I69.4: Sequelas de AVC de tipo não especificado
Estes códigos podem ser acompanhados de códigos secundários que identificam os tipos de limitação, como dificuldades de locomoção (CID R26), afasia (CID R47), hemiplegia (CID G81), entre outros.
Quais são as possíveis sequelas de um AVC
As sequelas de um AVC podem variar de acordo com a área do cérebro afetada, a extensão da lesão e o tempo até o atendimento médico. Entre as mais comuns estão:
Hemiplegia (paralisia de um lado do corpo)
Hemiparesia (fraqueza muscular de um lado)
Afasia (dificuldade de fala ou compreensão)
Disartria (fala arrastada)
Déficit cognitivo (problemas de memória, atenção e raciocínio)
Depressão pós-AVC
Espasticidade muscular
Dificuldade de deglutição (disfagia)
Incontinência urinária ou fecal
Essas sequelas podem ter impacto direto na capacidade laboral do paciente, seja parcial ou totalmente, e exigem tratamento multidisciplinar com fisioterapia, terapia ocupacional, fonoaudiologia, psicologia e acompanhamento médico contínuo.
O trabalhador que sofre AVC tem direito a benefícios do INSS?
Sim. O trabalhador com carteira assinada que sofre um AVC e apresenta incapacidade temporária ou permanente para o trabalho pode ter direito a diversos benefícios previdenciários, dependendo do grau de limitação e do tempo de contribuição.
Auxílio-doença (auxílio por incapacidade temporária)
Se a sequela impede o retorno ao trabalho por mais de 15 dias, o trabalhador pode requerer o auxílio-doença. Esse benefício exige:
Incapacidade temporária atestada por laudo médico
Qualidade de segurado
Carência de 12 contribuições mensais (exceto nos casos isentos, como AVC, que é considerado grave)
A perícia do INSS é obrigatória para concessão. O benefício é pago enquanto durar a incapacidade.
Aposentadoria por incapacidade permanente
Se o AVC resultar em limitações permanentes e o trabalhador não puder ser reabilitado para outra atividade, ele poderá ser aposentado por incapacidade permanente (antiga aposentadoria por invalidez).
A concessão depende da comprovação por perícia médica e pode ser integral ou proporcional, dependendo do tipo de filiação ao INSS e da data de ingresso no regime.
Auxílio-acidente
Se o trabalhador retorna ao trabalho após o AVC, mas com redução permanente da capacidade funcional, ele pode receber o auxílio-acidente. Esse benefício:
É pago mensalmente pelo INSS
Corresponde a 50% do salário de benefício
É acumulável com o salário
Dura até a aposentadoria
É muito comum em casos em que o trabalhador tem hemiparesia, problemas na fala ou outra limitação funcional residual.
Benefício de Prestação Continuada (BPC/LOAS)
Para quem não tem mais condição de trabalhar e não reúne os requisitos para se aposentar pelo INSS, existe a possibilidade de solicitar o BPC, previsto na Lei Orgânica da Assistência Social.
É necessário:
Comprovar deficiência (inclusive por sequelas de AVC)
Ter renda familiar per capita inferior a 1/4 do salário mínimo
Não receber outro benefício da seguridade social
O BPC não exige tempo de contribuição, mas exige perícia social e médica.
Estabilidade no emprego após AVC
Se o AVC foi causado por acidente de trabalho ou acidente de trajeto, e o trabalhador se afastou por mais de 15 dias com recebimento de auxílio-doença acidentário (espécie B91), ele terá direito à estabilidade de 12 meses após o retorno ao trabalho, conforme artigo 118 da Lei nº 8.213/1991.
Durante esse período, ele não poderá ser demitido sem justa causa. Caso seja dispensado, tem direito a:
Reintegração ao cargo
Ou indenização correspondente ao período restante da estabilidade
Se o AVC não tiver relação com o trabalho, não há estabilidade garantida por lei, salvo previsão em convenção coletiva.
O trabalhador com sequela de AVC pode ser readaptado?
Sim. Caso não possa exercer sua função original, o trabalhador pode ser readaptado para outra função compatível com suas limitações. A readaptação pode ocorrer por iniciativa da empresa ou por recomendação médica e deve respeitar:
A integridade física e mental do trabalhador
A compatibilidade entre a função e a limitação
A manutenção da remuneração
A negativa de readaptação, ou a dispensa indevida de trabalhador readaptado, pode gerar indenização por danos morais e materiais.
A empresa é obrigada a indenizar o trabalhador que sofre AVC?
Depende. Se o AVC tiver ocorrido em razão do ambiente de trabalho, como excesso de jornada, estresse extremo, falta de pausas, pressão psicológica ou exposição a agentes nocivos, a empresa pode ser responsabilizada.
A responsabilidade pode ser:
Subjetiva, quando houver culpa da empresa (negligência, imprudência, imperícia)
Objetiva, nos casos de atividade de risco (prevista no Código Civil, artigo 927, parágrafo único)
A indenização pode incluir:
Danos morais
Danos materiais (gastos com tratamento, pensão, lucros cessantes)
Danos estéticos
A jurisprudência brasileira já reconheceu o nexo causal entre AVC e ambiente de trabalho em diversos casos, sobretudo quando comprovada pressão excessiva ou carga horária abusiva.
Exemplos de decisões judiciais
Trabalhador bancário que sofreu AVC após turnos prolongados e pressão abusiva foi indenizado em R$ 150.000 por danos morais, além de receber pensão mensal de R$ 2.000.
Operador de máquinas que sofreu AVC em razão de exposição contínua a calor excessivo foi indenizado em R$ 80.000, mais pensão proporcional.
Professor que teve AVC durante reunião de trabalho após ser impedido de ir ao médico obteve indenização por danos materiais e morais.
Como é feita a comprovação da sequela
A comprovação da sequela deve ser feita por meio de documentação médica e pericial. Os principais documentos incluem:
Prontuário hospitalar do AVC
Laudos de ressonância magnética ou tomografia
Atestados médicos
Relatórios de fisioterapia, fonoaudiologia e terapia ocupacional
Laudo de reabilitação
Laudo pericial do INSS ou do perito judicial
É importante registrar também a evolução da limitação e os impactos no dia a dia, tanto em casa quanto no ambiente de trabalho.
Reabilitação e retorno ao trabalho
O INSS pode encaminhar o segurado para programa de reabilitação profissional caso haja perspectiva de retorno a alguma função. Esse programa inclui:
Avaliação de capacidades residuais
Cursos de capacitação
Apoio psicossocial
Encaminhamento para novas funções
Durante a reabilitação, o trabalhador continua recebendo o benefício e só é considerado apto após laudo de alta médica.
Diferença entre ação trabalhista e ação cível
Se o AVC estiver relacionado ao ambiente de trabalho, a ação indenizatória deve ser proposta na Justiça do Trabalho. Quando não houver vínculo empregatício ou a relação não for trabalhista (como em contratos autônomos), a ação é ajuizada na Justiça Cível.
Na esfera trabalhista, o prazo para propor ação é de até dois anos após o fim do contrato. Na esfera cível, o prazo prescricional é de três anos, conforme o artigo 206 do Código Civil.
Perguntas e respostas
O AVC sempre dá direito a aposentadoria?
Não. Apenas quando há incapacidade total e permanente para qualquer atividade laboral.
Qual o CID usado para indicar sequela de AVC?
Em geral, utiliza-se a categoria CID I69, que varia conforme o tipo de AVC e a natureza da sequela.
Posso receber auxílio-acidente mesmo continuando a trabalhar?
Sim. O auxílio-acidente é justamente para compensar a redução da capacidade mesmo com a permanência no emprego.
Se o AVC não tiver relação com o trabalho, posso ser indenizado?
Somente se houver culpa da empresa em agravar ou dificultar o socorro. Caso contrário, a indenização não se aplica.
Trabalhador com sequela de AVC pode ser demitido?
Sim, se não houver estabilidade ou se a incapacidade for total. A dispensa deve ser feita com cuidado, sob pena de ser considerada discriminatória.
O BPC é igual à aposentadoria?
Não. O BPC não é aposentadoria, não exige contribuição e não dá direito a 13º salário nem pensão por morte.
É possível acumular auxílio-doença com BPC?
Não. O BPC é inacumulável com outros benefícios previdenciários ou assistenciais.
A empresa pode exigir retorno ao trabalho mesmo com sequela?
Não. O retorno só pode ocorrer após alta médica e compatibilidade da função com a limitação do trabalhador.
Conclusão
O AVC é uma condição grave que pode deixar sequelas significativas e impactar profundamente a vida do trabalhador. O CID I69, referente às sequelas de AVC, é usado para registrar essas limitações de forma padronizada nos sistemas de saúde e nos pedidos de benefícios previdenciários.
O trabalhador com carteira assinada tem acesso a direitos fundamentais, como auxílio-doença, aposentadoria por incapacidade permanente, auxílio-acidente, BPC e até mesmo indenização judicial quando houver relação com o trabalho. É fundamental buscar apoio médico, psicológico, jurídico e previdenciário para enfrentar essa nova realidade com dignidade e segurança.
Conhecer seus direitos é o primeiro passo para garantir o acesso ao que é justo. Se você ou alguém próximo sofreu um AVC e apresenta limitações, não hesite em buscar orientação profissional. A justiça existe para proteger e amparar o trabalhador em momentos de maior fragilidade.