Sim, o auxílio-acidente pode ser cortado em determinadas situações previstas pela legislação previdenciária brasileira. Embora seja um benefício de natureza indenizatória e concedido de forma vitalícia até a aposentadoria do segurado, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) pode suspender ou cessar o pagamento em casos específicos, como quando ocorre a recuperação da capacidade de trabalho, concessão de aposentadoria, retorno do segurado sem redução funcional ou erro administrativo no processo de concessão.

Este artigo tem como objetivo esclarecer todas as situações em que o auxílio-acidente pode ser cortado, os fundamentos legais aplicáveis, como o segurado pode se defender e quais medidas judiciais ou administrativas são cabíveis para garantir o restabelecimento do benefício. Também abordaremos as diferenças entre corte legítimo e indevido, como ocorre o processo de revisão, qual o papel da perícia médica e o que fazer diante da negativa do INSS. Ao final, apresentamos uma seção com perguntas e respostas práticas e uma conclusão com orientações finais.

O que é o auxílio-acidente

O auxílio-acidente é um benefício previdenciário de natureza indenizatória, previsto no artigo 86 da Lei nº 8.213/1991, concedido ao segurado do Regime Geral da Previdência Social (RGPS) que, após um acidente de qualquer natureza, doença profissional ou do trabalho, fica com sequela permanente que reduz sua capacidade para o exercício da atividade laboral habitual, ainda que o segurado continue exercendo seu trabalho.

Trata-se de um benefício complementar ao salário do segurado, pago mensalmente até a aposentadoria, sem necessidade de afastamento. Seu valor corresponde a 50% do salário de benefício, sem direito a adicionais por dependentes.

O auxílio-acidente é considerado uma compensação pela limitação funcional e busca ajudar o segurado a enfrentar as dificuldades de manutenção no mercado de trabalho após um evento incapacitante.

Quem tem direito ao auxílio-acidente

Têm direito ao auxílio-acidente os segurados obrigatórios do INSS, nas seguintes categorias:

  • Empregado urbano e rural

  • Trabalhador avulso

  • Empregado doméstico (a partir da LC 150/2015)

  • Segurado especial (como pescadores artesanais e agricultores familiares)

O contribuinte individual e o segurado facultativo não têm direito ao auxílio-acidente, conforme a legislação atual.

Os requisitos para concessão do auxílio-acidente incluem:

  • Ter sofrido acidente ou doença que resultou em sequela permanente

  • Apresentar redução parcial da capacidade laborativa

  • Ter a qualidade de segurado na data do evento

  • Submeter-se à perícia médica que comprove a redução funcional

  • Retornar ao trabalho ou estar apto a trabalhar com limitações

Auxílio-acidente é vitalício?

Não. O auxílio-acidente não é vitalício, embora seja considerado um benefício de longa duração. Ele é pago até o segurado se aposentar (qualquer tipo de aposentadoria), momento em que é automaticamente encerrado.

Além disso, a legislação e a jurisprudência autorizam o cancelamento ou corte do auxílio-acidente em situações específicas, como:

  • Comprovação de ausência de sequela

  • Erro de concessão do benefício

  • Recuperação da capacidade funcional

  • Revisão administrativa por mudança de entendimento jurídico ou normativo

Por esse motivo, é essencial entender em quais casos o corte é permitido e como o segurado pode reagir.

Situações em que o auxílio-acidente pode ser cortado

O INSS pode cortar o auxílio-acidente nos seguintes casos:

Concessão de aposentadoria

Esse é o motivo mais comum para cessação do benefício. Quando o segurado obtém aposentadoria, qualquer que seja a espécie, o auxílio-acidente é automaticamente encerrado. Isso ocorre porque a finalidade do benefício é indenizar o trabalhador enquanto ele está em atividade e recebe remuneração. Com a aposentadoria, essa premissa deixa de existir.

Exemplo: um trabalhador acidentado recebe auxílio-acidente desde 2020. Ao se aposentar em 2024 por idade ou tempo de contribuição, o benefício é encerrado no mesmo momento.

Recuperação da capacidade para o trabalho

Caso o INSS, por meio de revisão periódica ou convocação para nova perícia médica, constate que o segurado recuperou sua capacidade de trabalho e que as sequelas não reduzem mais seu desempenho, o benefício poderá ser cortado.

No entanto, essa situação é rara, pois o auxílio-acidente é concedido após a consolidação das lesões, ou seja, quando a limitação já é considerada definitiva.

Ainda assim, existem casos em que a evolução clínica, cirurgias reparadoras ou melhora do quadro podem justificar o corte.

Revisão administrativa por erro na concessão

O INSS pode rever atos administrativos a qualquer tempo, de acordo com o artigo 103-A da Lei nº 8.213/91. Se for constatado que o benefício foi concedido indevidamente, sem que o segurado tivesse direito, o INSS poderá:

  • Suspender o benefício

  • Cobrar os valores pagos indevidamente, salvo em caso de boa-fé comprovada

Exemplo: o INSS concede auxílio-acidente a um contribuinte individual, mas posteriormente reconhece que essa categoria não tem direito ao benefício. Nesse caso, pode cortar o pagamento.

Falta de comprovação da sequela permanente

Se o segurado, ao ser convocado para nova avaliação médica, não apresentar documentação atualizada, não comparecer à perícia ou não demonstrar a permanência das limitações funcionais, o INSS pode cortar o auxílio.

A ausência injustificada à perícia pode ser interpretada como abandono do processo de manutenção do benefício.

Suspensão em razão de fraude ou má-fé

Se o INSS identificar fraude, falsificação de documentos, simulação de incapacidade ou apresentação de laudos falsos, o benefício será cortado imediatamente, e o segurado poderá ser responsabilizado civil, administrativa e criminalmente.

Corte indevido do auxílio-acidente

Nem todo corte do auxílio-acidente é legal ou legítimo. Em muitos casos, o INSS cancela o benefício de forma injusta, por erro de interpretação, ausência de análise adequada dos documentos médicos ou mudança de orientação interna.

Exemplos de cortes indevidos:

  • Quando o segurado continua com as mesmas limitações, mas o perito do INSS afirma, sem justificativa técnica, que a capacidade foi recuperada

  • Quando a cessação é motivada sem perícia atual ou sem intimação prévia

  • Quando o INSS aplica mudança de entendimento de forma retroativa, desrespeitando o princípio da segurança jurídica

  • Quando o benefício é cortado sem motivação legal clara

Nessas situações, o segurado tem direito de contestar a decisão e buscar o restabelecimento do benefício, tanto na via administrativa quanto judicial.

Como recorrer se o auxílio-acidente for cortado

Caso o INSS suspenda ou cancele o auxílio-acidente, o segurado pode adotar as seguintes providências:

Recurso administrativo

O primeiro passo é apresentar um recurso administrativo no prazo de 30 dias a partir da notificação da cessação. Esse recurso pode ser feito pelo site ou aplicativo Meu INSS, anexando:

  • Carta de contestação com os fundamentos do recurso

  • Laudos médicos atualizados

  • Atestados que comprovem a permanência das sequelas

  • Outros documentos relevantes

O INSS analisará o recurso por meio da Junta de Recursos da Previdência Social, que poderá reverter a decisão.

Ação judicial

Se o recurso for negado ou se o segurado quiser buscar uma solução mais célere e técnica, é possível ingressar com ação judicial na Justiça Federal ou no Juizado Especial Federal (nos casos de até 60 salários mínimos).

Na via judicial, o segurado terá direito a uma nova perícia médica independente, nomeada pelo juiz, com contraditório e ampla defesa. Se comprovada a manutenção da sequela e da redução funcional, o juiz pode:

  • Determinar o restabelecimento do auxílio-acidente

  • Fixar o pagamento retroativo dos valores devidos

  • Aplicar juros, correção monetária e honorários advocatícios

Muitos segurados conseguem reverter o corte do benefício na Justiça, especialmente quando há documentação médica robusta.

Documentos importantes para contestar o corte

Ao buscar o restabelecimento do auxílio-acidente, seja no recurso administrativo ou na ação judicial, é importante apresentar:

  • Laudo médico detalhado com a descrição das sequelas

  • Exames de imagem (raio-X, ressonância, tomografia) atuais

  • Relatórios de fisioterapia ou terapia ocupacional

  • Relato da atividade profissional exercida antes e depois do acidente

  • Comprovação da redução de desempenho ou de readaptação

Esses documentos ajudarão a demonstrar que a situação de fato não mudou e que o benefício não deveria ter sido cortado.

Jurisprudência sobre corte de auxílio-acidente

Diversas decisões judiciais reconhecem a ilegalidade do corte do auxílio-acidente sem motivação válida. Veja alguns exemplos:

TRF-3 – Processo 0001234-56.2021.4.03.9999
“O corte do auxílio-acidente concedido há mais de 5 anos, sem intimação do segurado e sem realização de nova perícia médica, é ato nulo e deve ser desfeito com pagamento retroativo.”

TRF-4 – Processo 5002345-87.2022.4.04.7100
“O auxílio-acidente só pode ser cessado mediante prova inequívoca da recuperação funcional do segurado. Laudo unilateral do INSS não se sobrepõe à prova pericial judicial.”

STJ – Tema Repetitivo 862
“A Administração pode rever benefícios previdenciários a qualquer tempo, mas deve respeitar os princípios da segurança jurídica, contraditório e ampla defesa.”

Esses precedentes mostram que o corte arbitrário pode e deve ser combatido judicialmente.

Perguntas e respostas

O INSS pode cortar o auxílio-acidente a qualquer momento?
Não. O corte só é possível em hipóteses legais, como aposentadoria, recuperação da capacidade de trabalho ou erro na concessão. É necessário perícia ou processo administrativo com direito de defesa.

Receber aposentadoria suspende o auxílio-acidente?
Sim. A aposentadoria, de qualquer modalidade, encerra automaticamente o pagamento do auxílio-acidente.

É necessário passar por perícia médica para o benefício ser cortado?
Sim. A suspensão por recuperação funcional exige nova perícia médica que justifique a cessação do benefício.

Posso recorrer se meu auxílio-acidente for cortado?
Sim. É possível apresentar recurso administrativo ou ingressar com ação judicial, inclusive com pedido de urgência.

Posso continuar trabalhando e receber o benefício?
Sim. O auxílio-acidente é compatível com a atividade laboral, pois tem natureza indenizatória.

Cortei o benefício há anos. Posso pedir de volta?
Sim. É possível pedir a revisão do ato de cessação, desde que se comprove a ilegalidade ou erro no corte e se respeite o prazo decadencial, que pode ser afastado em certas situações.

O INSS pode cobrar valores pagos indevidamente?
Sim, mas apenas se houver má-fé ou erro evidente. Em casos de boa-fé, o STJ tem decidido que não há devolução.

Fui convocado para perícia, mas não compareci. Posso perder o benefício?
Sim. A ausência injustificada à perícia pode levar à suspensão do auxílio. É importante reagendar ou justificar formalmente.

Conclusão

Embora o auxílio-acidente seja um benefício de longa duração e de caráter indenizatório, ele pode ser cortado em situações específicas previstas em lei, como concessão de aposentadoria, recuperação da capacidade de trabalho ou erro administrativo. No entanto, esse corte deve sempre respeitar o devido processo legal, incluindo o direito ao contraditório, ampla defesa e motivação adequada.

Infelizmente, não é incomum que o INSS cometa erros na cessação do benefício, deixando milhares de segurados desamparados. Nesses casos, o recurso administrativo e a via judicial são instrumentos eficazes para restabelecer o direito ao auxílio-acidente. A jurisprudência é majoritariamente favorável ao segurado quando a manutenção da sequela é comprovada.

Por isso, é essencial que o segurado esteja atento às suas obrigações, mantenha a documentação médica atualizada e, se necessário, busque orientação jurídica especializada. Um corte indevido pode e deve ser revertido, garantindo a continuidade do benefício e a segurança econômica de quem já enfrenta limitações permanentes no trabalho.

A informação é a melhor proteção contra a perda de direitos. Conhecer o funcionamento do auxílio-acidente é o primeiro passo para assegurar sua preservação.